Apesar de ser um assunto bem difícil, se faz necessário abrir a discussão sobre este tema que tem um enorme impacto nas empresas familiares. Mas, antes, quero a oportunidade de fazer ressalvas importantes a seguir: – Primeiramente, os pais são seres humanos comuns e não é pela circunstância de terem se tornado pai ou mãe que suas condutas serão modificadas e todos os seus desvios de personalidades devam ser abonados. Em segundo lugar, a percepção de suas falhas não deve ser motivo para desrespeito ou abandono.
Apresentadas estas considerações relevantes, exponho o tema para que se possa compreender que falar sobre o papel do patriarca ou matriarca da empresa familiar faz parte da necessidade de pontuar comportamentos ruins que afastam os familiares e contribuem para que o negócio não tenha longevidade e finalize sua atividade antes de haver um processo sucessório.
O fato é que nem sempre os pais são sinônimos de afeto, empatia, generosidade e tolerância. Dificilmente estes pais constituem uma família simbolizada por um elo onde existe conexão entre as pessoas e partilha de valores construídos com amor. A intenção aqui não é abrir feridas antigas em quem quer que seja, pois sabemos que o assunto é altamente sensível e carregado de fatores emocionais, mas trazer a oportunidade do debate e, quem sabe, contribuir com algumas possibilidades de melhoria.
Encarando a verdade de frente, a esmagadora maioria das famílias empresárias não seriam aptas para fazerem comercial de margarina, como se fala no ditado popular. Os fundadores destas empresas, conhecidos como papai e mamãe, são pessoas obstinadas, que dedicam grande parte do seu dia em construir o seu sonho empreendedor e não têm tempo para acompanhar os eventos familiares, nem mesmo os aniversários, batizados e formaturas.
Estas pessoas aguentam uma carga de afazeres muito alta, enfrentam desafios para manter os primeiros anos da empresa, por vezes em um ambiente de insegurança e dificuldade financeira. Esse cenário os torna pessoas endurecidas, com baixa empatia e pouca inteligência emocional. É normal serem reconhecidos por sua dedicação exclusiva ao trabalho.
O problema acontece quanto este comportamento se torna doentio, não mais pensando unicamente no crescimento da empresa familiar, todavia, quando começam a considerar que os filhos são concorrentes do negócio. Demonstram, inclusive, a insatisfação em ter a família participando da gestão do negócio e ainda se sentem ameaçados com a presença de quem desejar dar opiniões que possam contribuir para a evolução da empresa familiar.
Alguns destes comportamentos podem revelar quadros psicóticos, que merecem intervenção médica. Existem relatos que os fundadores deixam a família passar necessidades por considerarem que o fruto do seu trabalho não deva ser partilhado por aquelas pessoas que estiveram em casa e não contribuíram com o crescimento do empreendimento. Logicamente, todos já ouvimos falar das brigas cinematográficas das famílias, inclusive com episódios que ilustram as páginas criminais da grande mídia.
Os eventos não precisam ser tão extremos, geralmente, o que é relatado pelos filhos é a falta de reconhecimento, o abandono emocional, o egoísmo na partilha de bens e o narcisismo perante a sociedade, quando os fundadores têm a necessidade de serem sempre o centro das atenções, desmerecendo a participação de qualquer outra pessoa da família.
Para fazer frente a situações desta natureza é preciso que muito cedo a família possa identificar a existência deste problema em sua base familiar e buscar ajuda de um profissional preparado e experiente para ajudar na construção de acordos que protejam a todos os interessados. É fundamental também estabelecer uma base de diálogo onde os mediadores tenham inteligência emocional para separar os papéis da empresa e da família, bem como a atribuição de responsabilidades em cada um deles. Uma decisão importante é desvincular as decisões empresariais da base emocional da família. E, finalmente, entender que cada um tem uma missão de vida neste mundo. Ninguém escolhe a família que vai fazer parte, mas acreditem, não estamos nela por nenhuma obra do acaso.
Quem sabe aquele que inicia um processo de mudança de valorização dos familiares e construção de uma cultura familiar positiva seja o protagonista para o início de uma nova história, talvez aquela que terá um final feliz para as próximas gerações. De fato, nem todos os pais são bons, mas isso não quer dizer que todos nós tenhamos que perdurar o mal na nossa história.
Ana Letícia Cardoso – Consultora FBS – Desenvolvimento Humano.